domingo, 14 de fevereiro de 2016

As Férias...

 
Viver na cidade era bom, ia para a escola pela manhã e à tarde brincava na casa de algum amiguinho.
Mas eu esperava ansiosa pelas férias, eram os dias mais felizes do ano. Contava dia após dia e quando chegava perto já começava a arrumar minha mala. Não via a hora de passar um mês inteirinho na fazenda.
Papai era um advogado muito famoso e respeitado em toda cidade. Era muito requisitado quando o assunto era " divisão de herança." Ele costumava dizer que "quando o assunto era herança sempre havia um espertinho em toda família." Papai era um homem muito justo, não gostava de trapaças. Por isso, serviço não faltava, quase sempre estava viajando a trabalho.
Mamãe era mamãe, a pessoa mais doce que eu conhecia, mas vivia adoentada, sempre de repouso, tossindo muito. Por conta disso ela não tinha forças para cuidar de mim nas férias, eu com a energia dos meus 10 anos não parava quieta. Então, todas as férias meus  pais me levavam pra fazenda, me deixavam lá aos cuidados da Vó Mariinha.
Na verdade ela não era minha avó de sangue, mas duvido que alguma avó de sangue cuidasse melhor de mim do que ela.
Hoje era o último dia de aula, e ouvir o sinal da escola tocando informando que as aulas haviam acabado e as ferias começado, era o som mais aguardado.
Corri para casa, nem quis esperar minhas amigas para irmos embora juntas, hoje não...... Hoje eu tinha pressa. Cheguei em casa, passei no quarto de mamãe saber como ela estava, dei um beijinho nela e fui para o meu quarto. Deixei a mochila jogada no cantinho do quarto e fui terminar de arrumar minha mala. Papai chegou logo em seguida.
O almoço já estava na mesa, enquanto almoçávamos íamos conversando sobre nossos planos. Após terminar o almoço Papai começou a levar as malas para o carro, eu já não aguentava de tanta alegria. Mamãe ficaria em casa aos cuidados de Tia Isaurinha. Papai me deixaria na fazenda e seguiria rumo a uma viagem de trabalho.
 Tudo arrumado...... Me despedi de mamãe.....partimos.....
Durante todo o caminho, papai me fazia várias recomendações, "não de trabalho", " vá para a cama cedo", " seja educada". Eu concordava com tudo mas na verdade não estava escutando muita coisa. Só conseguia pensar nos meus trinta dias de férias.
Acabei cochilando na viagem e acordei com os solavancos que o carro dava naquela estrada de terra batida, nessa parte da estrada eu já sabia que estava chegando na fazenda. Sentei direitinho no banco do passageiro, arrumei meu cabelo que estava todo bagunçado, e lá de longe vi a sombra de alguém correndo, correndo e acenando com os braços, meu coração acelerou, era ele, meu melhor amigo, Pedro.
Muito mais que amigos, ele era a pessoa que eu mais sentia falta durante todos os meses de aulas.
Pedro tinha 11 anos, era neto, de sangue, da Vó Mariinha.
Mal esperei o carro parar e já desci para abraçar meu amigo. Corremos para a cozinha da fazenda, como sempre aquele cheirinho doce de bolo quentinho foi a primeira coisa que senti, logo escutei a risada da Vó. Ela veio e me abraçou tão forte que achei que ela fosse me sufocar, mas nossa, como eu adorava aquele abraço. Como ela sabia que eu queria ir logo brincar, não me prendeu muito ali e com um tapa na bunda me mandou ir pra fora.
Saímos em disparada, correndo, pulando e rindo.
A fazenda era grande, mas eu tinha três lugares preferidos.
O terceiro lugar que eu mais gostava na fazenda era o pomar. Eu achava delicioso sentar aos pés das árvores e escolher de qual fruta eu iria saciar minha fome. E foi para lá que corremos.
Pedro e eu chegamos ao pomar sem fôlego, nos jogamos na grama, e Pedro começou a me contar tudo o que tinha acontecido desde as últimas férias. Me contou dos bezerrinhos que nasceram, de como ele tem aprendido a cuidar dos cavalos e como ele foi forte e chorou só um pouco quando pisou naquele prego.

Só percebemos que já estava escurecendo quando o primeiro vagalume apareceu. Corremos novamente para a casa, antes que alguém viesse atrás de nós e nos desse a maior bronca.
Chegamos cansados e rindo alto, vovó já nos mandou direto para o banho pois o jantar já estava quase pronto. A comida da Vovó era a melhor de todas. Após o jantar ficamos na sala, eu em um sofá e Pedro em outro, ambos com um livro na mão. A leitura era algo que nos unia ainda mais.

 Quando o relógio marcou dez horas vovó nos mandou para cama, só tive tempo de fazer minha oração e adormeci.
Mal o dia tinha amanhecido Pedro já corria para o meu quarto me tirar da cama.
" Acorda.....corre....acorda.....
Levanta logo dessa cama, está um sol lindo lá fora...."
Pedro sabia que eu adora dias de chuva, mas para brincar lá fora, não havia coisa melhor do que um lindo sol brilhando.
Levantei da cama num pulo só, coloquei meu vestidinho azul, me arrumei e já desci correndo para o café da manhã.
O primeiro lugar que fomos hoje foi ao meu segundo lugar favorito na fazenda, os estábulos. Aos 5 anos ganhei um cavalo lindo, o nome dele era Trovão, mas papai só me deixava montar se tivesse algum adulto junto, ou seja, quando Irineu estava junto. Irineu morava na fazenda e era encarregado por cuidar dos animais, ele tinha a idade de papai, os dois foram amigos na infância, mas diferente de papai que sempre sonhou em ir morar na cidade, Irineu sempre quis ficar no campo. Ele era ótimo com os animais. Quando cheguei ao estábulo, Trovão já me esperava pronto, com aquele brilho no olhar. Corri para abraçá-lo.
Nos três cavalgamos a manhã toda, Irineu, Pedro e eu, quando a fome bateu voltamos para a casa. Como sempre nosso estômago não se enganava, o almoço cheirava longe, aquele cheirinho de comida feita no fogão a lenha e com o vento veio outro cheirinho que eu tanto gostava, à tarde teríamos pão quentinho.

Após o almoço, Pedro e eu ficamos na cozinha escutando as histórias da Vovó, era um prazer imenso ouvi-la contando aquelas histórias, mesmo que algumas eu já soubesse o final eu não me importava em ouvir tudo novamente. Pedro e eu não nos desgrudávamos nem um minuto que fosse, onde um estava o outro estava logo ao lado, ele era a pessoa que eu mais confiava nessa vida, eu sabia que ele me defenderia de todos os monstros e cuidaria de mim sempre que eu precisasse, com ele eu me sentia segura, era como se com ele ao meu lado eu não precisasse temer a nada.
Eu me sentia feliz e completa toda vez que ia pra fazenda mas algo ainda me faltava, eu ainda não tinha ido ao meu lugar preferido na fazenda, acho que preferido no mundo todo e era pra lá que iríamos agora.
O lago ficava a uns 30 minutos andando devagarzinho, ele era lindo, algumas árvores em volta e bem no meio dele havia o coreto. Aquele era o meu lugar de paz, dentro daquele coreto, no meio do lago e com Pedro segurando minha mão. Bem do lado direito do coreto faltavam duas tábuas, pois era ali que nos sentávamos pra ficar com o pé dentro da água. O lago era limpo, mas não podíamos nadar nele, ele era fundo. Para nadarmos tinham outras lagoas que ficavam mais próximas de casa e não eram fundas, mas o lago não, o lago era só pra apreciar. Passamos a tarde toda sentados no coreto com nossos pés dentro do lago.

Voltamos embora para casa correndo atrás dos vagalumes. Nesse mesmo dia, após o jantar, Pedro me chamou e me entregou um pacote, abri o pacote delicadamente e dentro dele havia uma boneca que ele havia feito com restos de tecidos que foi encontrando aqui e ali.
Nenhum outro presente que eu havia ganho na vida toda significava tanto pra mim quanto aquela boneca. Onde eu ia, ela ia também. Agora éramos nós três, Pedro, eu e a boneca que colocamos o nome de Doralice. Todos os dias fazíamos praticamente as mesmas coisas, cavalos, pomar e a tarde lago.
Em uma tarde dessas fomos presenteados com uma chuva mansa e quentinha, Pedro e eu corremos para brincar nas poças d'Água, dessa vez Doralice não pode brincar junto.
Os dias na fazenda e ao lado de Pedro foram perfeitos e quando menos percebi ja havia chegado o último dia das férias, no final da tarde eu iria embora e teria que esperar mais seis meses para voltar ali novamente.
Nesse dia Pedro foi me acordar, como todos os dias ele havia feito, mas ele estava com o olhar triste, eu também estava triste mas não quis demonstrar. Olhei para minha mala já arrumada no cantinho do quarto, respirei fundo e fui aproveitar ao máximo meu último dia de férias ao lado do meu melhor amigo.
Fomos ao estábulo, fui dar uma última voltinha com Trovão até o pomar e quando percebemos já era hora do almoço.
Vó Mariinha havia feito um banquete com todas as gostosuras que nós gostávamos. Logo após o almoço fomos para o lago. Ficamos sentados no coreto, com os pés dentro da água e Doralice no meu colo. Pedro segurava forte minha mão, e um nó na minha garganta foi crescendo, junto com as nuvens de chuva que estavam se aproximando. De repente, ele olhou sério para mim e com os olhos marejados, olhando dentro dos meus olhos disse .....

" Sabe.....eu espero ansioso por todas as férias da escola, fico contando no calendário quantos dias faltam pra você vir pra cá, quando você vem são os melhores dias da minha vida mas quando você vai embora, fico tão triste....sempre fico triste, mas dessa vez está sendo pior. Sabe...... Nessas férias eu descobri uma coisa, eu gosto de você, gosto muito de você, acho que sempre gostei, nunca me senti feliz ao lado de ninguém como me sinto feliz estando ao seu lado. Sabe......."
E baixinho ele disse:
" Eu amo você."
Nisso ele se aproximou devagar e me deu um beijinho nos lábios. Era nosso primeiro beijinho. Eu sentia a mesma coisa por ele, mas não consegui dizer nenhuma palavra, nessa exato momento começou a chover, deixei a Doralice sentadinha no coreto e fomos brincar na chuva, nosso último banho de chuva antes que eu voltasse embora, entre risadas altas e correria nem vimos que o tempo havia mudado e começava a ventar mais forte, só me dei conta quando vi, no meio do lago uma coisa vermelha boiando, era o vestido da minha boneca.
Por causa do vento, Doralice havia caído no lago e já estava longe do coreto, não tinha como alcançá-la, corri chorando até o coreto, ajoelhei e chorei. Doralice era a única coisa que eu tinha para abraçar quando a saudade de Pedro doesse no meu coração e agora nem isso eu teria para levar embora comigo. Pedro vendo minha tristeza não se conteve, tirou a camiseta e se jogou no lago. Fiquei desesperada, todos os adultos da fazenda tinham nos proibido de entrar no lago e nos fizeram prometer que não faríamos isso é nós prometemos que não entraríamos.
Meu coração já estava quase saindo pela boca quando vi que ele tinha conseguido alcançar a boneca, fiquei aliviada pois ele já estava nadando de volta, mas no meio do caminho notei no olhar de Pedro algo diferente, um espanto, um nervoso e ele parou de nadar, olhou para mim, soltou a boneca e afundou. Vi a movimentação na água, como se fosse uma briga, comecei a gritar, gritar e a gritar muito, ninguém escutaria por causa da chuva, de repente a água ficou calma, e vi bolinhas de ar subindo na água, mas Pedro não subiu. Sai correndo desesperada e gritando até a casa, antes que eu chegasse já vi Irineu correndo em minha direção. Só tive forças pra apontar pra baixo e dizer:
"Pedro.....Lago...."
E senti os braços da Vó Mariinha me abraçando, me lembro de ver Irineu correndo na chuva em direção ao lago. Papai que já havia chego para me buscar e também saiu correndo logo atrás de Irineu.
Após alguns minutos consegui que Vovó me soltasse e corri em direção ao lago também. Me recordo como se fosse hoje. Cheguei a tempo de ver Irineu saindo do lago com Pedro nos braços, por um segundo tive a esperança que Pedro fosse respirar, mas esse segundo passou, outro segundo passou, um minuto passou e nada do Pedro respirar.

Corri até o corpo sem vida de Pedro deitado na grama e o abracei. Abracei tão forte, como se com ele tão perto de mim eu pudesse dar um pouco da minha vida para ele, mas foi eu vão.
Papai me pegou no colo e subiu comigo em direção a casa, e eu olhava por cima do ombro dele e via o corpo de Pedro, sem vida, ali na grama.
Já se passaram 5 anos, hoje é meu aniversario de 15 anos. Desde esse dia eu nunca mais voltei a fazenda. Naquelas férias, eu havia convidado Pedro para ser meu par na festa, ele estaria com 16 anos, ele seria meu príncipe encantado.
Ele sempre será meu príncipe encantado.






6 comentários:

  1. Vivian! EU não sei por onde começar a comentar esse conto. Calma, deixa eu respirar.
    Primeiro, você escreveu maravilhosamente bem. Não sei por que duvida tanto da sua capacidade de escrita. Você escreveu uma história envolvente, com começo, meio e fim bem elaborados. O seu plot twist foi muito bem apresentado e na hora certa para surpreender o leitor.
    A história começou com muita candura apresentando uma memória inocente da infância da sua personagem. Sua capacidade descritiva é encantadora. Consegui visualizar toda a fazenda sem nem mesmo tem precisado olhar para essa foto. Parabéns!

    beijos

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    1. Poxa, assim você me deixa sem palavras. Escrever tem se tornado um querido desafio para os dias em que minha mente está inquieta. Fico feliz que tenha gostado. Sua opinião e muito importante.

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  2. Perfeito!!! Amei seu conto, me envolve, me deixou com um nó na garganta.... lindo demais!!!

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    1. Ceça, você sempre me apoiando nos meus devaneios, obrigada por sempre ler meus escritos e me apoiar. Bjnhsss

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  3. Maravilhoso!!O jeito q sua escrita me fez envolver com a história foi fantástico!Não tenho palavras pra dizer o quanto amei,sabe me senti como a personagem principal,senti o cheiro das goluseimas da vó, senti a chuva enquanto corria brincando e até chorei pela morte de meu amado Pedro!!❤❤��
    (Fer Mattos)

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    1. Fer Mattos, fico feliz mesmo com o seu comentário. Que bom que gostou do texto. Bjnhsss

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