sexta-feira, 13 de maio de 2016

Ele



Eu tinha 18 anos e minha vida até agora tinha sido um saco.
 Eu tinha alguns colegas que se faziam de amigos quando era conveniente a eles. Quando eu tinha dinheiro eles estavam por perto, quando eu não tinha dinheiro eu estava sozinho. 
Tive um melhor amigo, amigo esse que nunca lembrei de dizer diretamente a ele o quanto ele era importante na minha vida. Minha família era um caos, muitas brigas. Eu não tinha um serviço fixo, ajudava meu pai em limpeza de terrenos, carpinava, passava veneno, essas coisas que no fundo me davam vergonha. Uma certa tarde eu estava andando na rua onde eu morava e vi uma linda menina, ela estava de saia laranja, blusinha branca, keds e óculos de sol, naquele instante meu coração acelerou, nunca tinha a visto por ali, quem poderia ser essa menina? Olhei para ela e ela retribuiu o olhar.
Algum tempo se passou e eis que vejo novamente na rua onde eu morava a mesma menina, mas agora eu sabia o que ela estava fazendo ali, ela era amiga da namorada do meu melhor amigo, não poderia ter coincidência melhor. Olhei novamente para ela e ela novamente retribuiu o olhar. 
Na primeira oportunidade fui perguntar sobre essa menina para a namorada do meu amigo e ela contou que a menina havia perguntado sobre mim também. 
Pedi o telefone da menina e resolvi ligar.
Conversamos por vários minutos e era ficha atrás de ficha, já que eu ligava do orelhão do bar da esquina pois não tinha telefone na minha casa.
Criei coragem e chamei-a pra sair e para a minha alegria ela aceitou. 
A namorada do meu amigo me fez inúmeras recomendações dizendo que essa menina era diferente, que ela era especial, que não era uma menina qualquer como as meninas que eu era acostumado a sair. Cada coisa que a namorada do meu amigo dizia sobre essa menina eu me encantava mais e mais por ela. Eu já estava cansado de sempre me envolver com o mesmo tipo de garota e realmente queria alguém especial, acho que era essa menina.
Como eu não tinha emprego fixo eu também não tinha dinheiro e quando digo que os meus amigos só me procuravam quando eu tinha dinheiro era porque eu fazia alguns "bicos" ilegais. Eu vendia drogas.
Já me doía o coração em estar me aproximando de uma menina tão bacana mas não ter nada de bom a oferecer a ela.
O dia do primeiro encontro chegou. Saímos em dois casais, foi tudo agradável, a menina era linda e estava comigo, eu nem acreditava, ela era tudo aquilo que a namorada do meu amigo disse e um pouco mais. Logo na primeira conversa que tivemos sozinhos ela já me fez sentir como se nos conhecêssemos há muitos anos. Contei coisas da minha vida, que os outros sabiam, mas que eu não admitia. O triste foi levá-la para casa. 
Após esse encontro eu ligava todos os dias para ela. Um laço foi se formando e a vontade de vê-la só aumentava. Eu queria chamá-la para sair, mas eu só tinha 1 real no bolso, isso me decepcionava muito. Criei coragem e liguei para ela no domingo à tarde e a convidei para dar uma volta, ela aceitou. Nos encontramos na praça da igreja e ficamos ali no banco conversando. Nossa, como a companhia dela me fazia bem, mas não sei se poderia dizer o mesmo dela, às vezes ela parecia estar tão longe. 
Continuamos a conversar mas já não conseguia encontrá-la sempre, algumas vezes fui até a casa dela para vê-la. Até que um dia descobri que a polícia estava atrás de mim, por causa do meu "bico". 
Decidi sair de cena por uns dias, não liguei para me despedir, não teria coragem de contar a ela  o motivo, eu já havia contado que usava drogas mas não tinha contado a ela que eu as vendia também. 
Fiquei fora por um mês. E ela seguiu a vida dela. E eu perdi o chão, pois sonhava todos os dias com o dia que eu voltaria para a cidade e a encontraria. 
Liguei para ela e disse que queria conversar, ela aceitou, conversamos e eu percebi o quanto gostava dela, nunca havia sentido por ninguém o que estava sentindo por ela.
Sempre fui o tipo pegador, mulherengo que pegava as meninas pra levar pra cama e depois ignorava, e agora eu me via ali, completamente encantado por uma menina que não queria mais que minha amizade. 
As brigas em casa, com minha mãe e meu pai estavam cada vez piores, eu já estava no meu limite, desde que saí de cena para fugir da polícia, nada deu certo na minha vida. Eu que já bebia bastante passei a beber mais, bem mais.
Por mais que eu tentasse me convencer a não ir atrás dela, minha vontade de ver aquela menina era maior que qualquer orgulho que eu tivesse, fui até a namorada do meu amigo e disse que se ela levasse a amiga dela no churrasco domingo a tarde eu daria a ela uma garrafa de bebida. A namorada do meu amigo topou na hora e não sei como ela conseguiu convencer a menina a ir no churrasco, mas o importante é que ela foi.
Segurar a mão da menina mais uma vez, abraçá-la e beijá-la era a coisa que eu mais ansiava em fazer. Ela ficou pouco tempo no churrasco, mas eu já estava feliz, então fui beber parar comemorar minha felicidade. Não faço ideia do quanto bebi, só sei que no final da noite eu já não tinha controle sobre os meus atos, já não dizia nada com nada, já arrumava briga com todos ali presentes e arrumei briga com a pessoa errada. Ele era meu amigo também e agora entendo que ele só queria alertar que eu havia passado dos limites, mas na hora eu não queria saber de nada, brigamos feio, ele me socou, rasgou minha camisa nova, eu fiquei irado, magoado, confuso, chateado. Fui até minha casa, que era perto, peguei a arma que eu havia comprado quando sai da cidade, e voltei ao churrasco. Não sei nem o porquê de ter ido pra casa buscar aquela arma. Quando voltei ao churrasco, alguns já haviam ido embora mas ele ainda estava ali, então apontei a arma para minha cabeça, fechei os olhos e respirei fundo, quando fui apertar o gatilho senti uma mão segurando minha mão, depois senti várias pessoas a minha volta, tomaram a arma da minha mão e me levaram para casa.
No outro dia eu estava com muita vergonha de tudo o que havia acontecido e de alguma forma eu sabia que a menina também já sabia. Não quis ligar pra ela, mas na quarta-feira à noite ela foi lá em casa, não tocou no assunto, sei que ela queria que eu contasse, ela queria ouvir a minha versão da história, e eu me fiz de desentendido e não falei. Ela então disse que se não havia confiança da minha parte ela não queria me ver mais. Aquilo foi uma apunhalada em meu coração, mas como tirar a razão dela? Ela era linda, inteligente, brilhante e tinha um futuro maravilhoso pela frente e eu o que poderia oferecer a ela?
Eu bebia muito a ponto de tossir sangue, eu usava drogas, eu vendia drogas, eu não tinha estudo, eu não tinha emprego, eu não era nada, não era ninguém. Fechei os olhos e deixei que ela se levantasse e fosse embora e com ela levou todo meu coração, sem ela como alicerce eu que já me sentia perdido me perdi ainda mais.
Fiquei revoltado com tudo e com todos.
As brigas na minha casa eram diárias e sempre eram por eu não estar trabalhando. Não tiro a razão deles, pois eles queriam meu bem, mas na época eu não entendia.
Ahhhhh se naquela época eu entendesse, teria mudado tanta coisa.
Apesar de todas as coisas erradas que eu fazia, eu ia na igreja todos os domingos na missa da noite e o amigo que briguei no churrasco ia todos os domingos de manhã. Eu já havia perdido a menina, não queria ficar brigado com meu amigo, resolvi ir na missa da manhã para conversar com ele e voltarmos a amizade, justamente nesse domingo ele não foi. 
Quando voltei para casa, na hora do almoço, mais brigas em casa. Me tranquei no quarto e ali perdi a noção do tempo. Dormi a tarde toda e quando acordei senti a maior angústia que eu poderia sentir. Eu já estava no fundo do poço, nada na minha vida dava certo, foi a menina que me deixou, a briga com meu amigo, as brigas em casa. Peguei a foto que eu tinha com a menina, acariciei, dei um beijo e a guardei. E por um momento de fraqueza peguei a arma, a mesma que vim buscar em casa no dia do churrasco, segurei a arma firme, olhei-a, fui pensando na minha vida, vi que nada valia mais a pena. Coloquei o cano da arma na minha cabeça, fechei os olhos e apertei o gatilho.
Dessa vez não teve ninguém para me impedir......









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